domingo, 18 de abril de 2010

O TODO E A PARTE

Tenho revisitado alguns textos antigos e encontrado algumas coisas que, penso, podem ser úteis para a reflexão, partilho mais uma:
Uma das coisas que mais me impressiona é que nenhum dos mestres de sabedoria, nenhum literato ou erudito, psicólogo ou filósofo conseguiu esgotar o significado do ser humano, ou explica-lo, ou, de maneira definitiva estabelecer como ele deve ser, sua melhor e mais categórica maneira. Não há uma escatologia definitiva para a vida humana, uma vez que esta, em realidade, é um largo processo ainda em fase de construção.
Não sou um erudito que já tenha lido tudo e, portanto, não posso basear minha afirmativa acima no fato de conhecer toda a enorme e diversificada produção intelectual ou espiritual humana, no entanto percebo que dentre os muitos seres extraordinários que se dedicaram à antropologia, ou seja, ao estudo do ser humano, uma significativa parcela deles acreditou que havia descoberto a pedra de toque que revelaria o ouro do conhecimento quanto ao que somos. Mas apenas tocava uma de nossas inumeráveis facetas. Alice Bailey comentou em um de seus livros que freqüentemente os buscadores descobriam pequenas porções da verdade, entreabriam janelas, e pensavam que haviam visto o Todo e se regozijavam com isso. Estes descobridores da parte afirmavam-se como detentores do Todo e, dessa maneira saíam (e saem) espalhando aquela secção do saber universal como se apresentasse a Verdade completa. Ocorre-me que esta visão equivocada é uma das causas do totalitarismo, bem como do fanatismo e do sectarismo, na medida em que esta identificação do Todo com a parte, faz da parte o Todo, na mente dos que crêem e a fração passa a adquirir valor que não tem (o valor do Todo). O resultado é que regras são estabelecidas e recebem o título de leis inabaláveis. Não obedecê-las representa uma ameaça a tudo aquilo que acreditamos e, o que é pior, como o que acreditamos é identificado com o Todo, não acreditar no que acreditamos torna-se uma ofensa ao Todo, ou no mínimo uma manifestação de desprezível ignorância.
Alguns vêem o ser humano como um consciente superficial “boiando” por sobre um enorme inconsciente basicamente sexual, outros nos consideram seres em busca de poder, para outros somos estruturas dissipativas autopoiéticas que passaram por variados saltos de complexidade; há quem veja à humanidade como o conjunto de aglomerações bioquímicas selecionadas pela natureza cujas interações físico-químicas produzem um epifenômeno chamado consciência. Há quem nos considere seres absolutamente imateriais iludindo-se a si mesmos com os sonhos de uma materialidade concreta... para outros somos parte de uma estrutura infinita com um fim determinado mas insondável e outros pensam o mesmo, mas sem fim determinado, onde um Grande Atrator é construído à medida em que avançamos no tempo... O pior, é que todos têm razão. Ou pelo menos, todos têm sua ração de razão.
Quando leio os sábios a que tive acesso admiro-me da percuciência com que penetram fundo na realidade das coisas. Vejo que alguns revelam fatos e propõem explicações sumamente pertinentes, coerentes, verdadeiras. Outros revelam fatos e propõem explicações de idêntico valor, tão verdadeiras quanto, porém opostas. Admira-me que os sábios estão todos certos e aqui vale um discreto e saudável ceticismo. Aplaudo a todos os sábios, honra-me apenas o fato de lê-los e de às vezes entende-los, mas sempre mantenho uma desconfiança de que ali tem uma maravilhosa parte de nós. Apenas isso!
Aureo Augusto, em 30/12/05.

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